Quase um ano se passou desde que Star Wars: Os Últimos Jedi foi lançado mundialmente nos cinemas. Desde então, o longa-metragem recebeu quatro indicações para a 90ª cerimônia do Oscar, bateu o recorde de blu-rays vendidos nos Estados Unidos e alcançou números expressivos nas bilheterias. Mesmo com tantos marcos, o filme ainda gera discussões e várias polêmicas.
Uma dessas controvérsias, menos abordadas em comparação à morte de Snoke ou a destruição da Supremacy, será retratada na publicação de hoje. Nos próximos parágrafos, explicarei a você, leitor, a razão pela qual Rey não matou Kylo Ren no Episódio VIII da saga.
Caso não se lembre, após o combate contra os guardas Praetorianos na Sala do Trono, Ben e Rey se desentenderam. A briga acabou resultando na destruição, em partes, do lendário lightsaber de Anakin Skywalker. Entretanto, além desse fator, no exato momento da desavença dos personagens, a Supremacy foi atingida pela Raddus. Com isso, Rey e Kylo ficaram desacordados, mas a jovem Jedi despertou primeiro e fugiu para o planeta Crait. Tendo isso em mente, por que a sucateira de Jakku não deu fim ao mestre dos Cavaleiros de Ren?
A pergunta pode parecer boba, afinal se Kylo Ren fosse morto, como teríamos um eventual Episódio IX? Obviamente, em especial por se tratar de uma análise e discussão da história, não devemos nos limitar à um pensamento tão simplista como esse. Contudo, o questionamento que esta postagem traz é reforçado, sobretudo, pela novelização de Os Últimos Jedi.
Escrito por Jason Fry e publicado no Brasil pela editora Universo Geek, o romance do filme explora diversos eventos não mostrados nas telonas. E um desses acontecimentos restritos à novelização é justamente a ocasião em que Rey acorda antes de Ben, partindo rumo a batalha final da Resistência versus a Primeira Ordem.
O futuro é uma gama de possibilidades
Rey estivera a um passo de Kylo, caído desacordado no chão da sala do trono após a detonação do sabre de luz de Luke, e ela enxergara muito claramente o que poderia fazer. Seria tão fácil tomar o sabre dele, acioná-lo e acabar com sua vida. Quantas vidas seriam salvas pelo trabalho de alguns segundos? Quanta escuridão impedida?
O trecho acima consta na página 306 de Os Últimos Jedi, e exemplifica de forma clara o assunto do post. Por um instante, Rey cogitou tirar a vida de Ben, assim como Luke Skywalker fizera quando estava no papel de mestre do filho de Solo. Esse pensamento instintivo da Jedi também se esvaiu rapidamente, conforme descrito na obra:
De pé na sala do trono, ela havia enxergado a si mesma fazendo isso – porém, imediatamente soube que não faria.
A resposta para a desistência de Rey é dada ao leitor logo em seguida, e nos faz refletir sobre muitos acontecimentos vistos em outros filmes das três trilogias de Star Wars. Percebe-se que a escolha da menina de Jakku é coerente tendo em vista que ela assumiu o título de Jedi, mas a justificativa para tal surpreende:
O erro de Luke foi assumir que o futuro de Ben estava predeterminado – que sua escolha já estava feita. O erro dela foi assumir que a escolha de Kylo Ren era simples – que se voltar contra Snoke era o mesmo que rejeitar a atração das trevas.
Depois de descobrir que o Supremo Líder Snoke havia conectado a sua mente à de Kylo Ren, Rey prontamente percebeu que a Força pode ser usada como uma arma para manipulação, e que esta nem sempre indica o futuro com precisão. A ponderação da personagem é inteligente, e atribui um valor importantíssimo às possíveis aplicações da Força. Os Últimos Jedi explorou bastante esse fator durante o enredo, sabendo dar ainda um desfecho satisfatório à questão.
O futuro, ela agora enxergava, era uma gama de possibilidades constantemente remodelada pelos resultados de eventos que pareciam menores e de decisões que pareciam pequenas. Era muito difícil não enxergar o futuro que dominava as suas esperanças e medos como fixo e imutável, quando, na verdade, era apenas um de muitos.
O tratamento a respeito dos incontáveis futuros que a Força pode mostrar aos seus usuários fica mais fascinante com o trecho consecutivo do livro. Essa passagem nos faz ponderar acerca dos longas e séries de toda a saga, consoante mencionado anteriormente no artigo:
A Força podia certamente mostrar o futuro – mas qual futuro? Aquele que aconteceria? Ou aquele que você próprio faria acontecer, inevitavelmente atraído até ele? Mesmo sendo o futuro que você mais queria evitar?
Em uma das muitas visões de Anakin Skywalker na trilogia prequel, o cavaleiro Jedi testemunhou através da Força a morte de Padmé no parto. Saber de tal tragédia fez com que Anakin ficasse determinado a impedir o falecimento de sua esposa. Todavia, conforme Rey concluiu, as visões proporcionadas pela Força não são absolutas: Skywalker viu apenas o que poderia acontecer.
O aprendiz de Obi-Wan caiu para o lado negro e se tornou Darth Vader, tudo isto com o intuito de evitar o óbito de Amidala. Ironicamente, o caminho seguido por Anakin ocasionou na morte de sua amada. Essa situação casa de maneira perfeita com as indagações de Rey:
Ou aquele que você próprio faria acontecer, inevitavelmente atraído até ele? Mesmo sendo o futuro que você mais queria evitar?
Outro exemplo, desta vez remetendo à trilogia clássica, é o assassinato de Darth Sidious pelas mãos de seu servo, Lord Vader. Por anos, o Impedor beneficiou-se das visões para controlar os acontecimentos da galáxia e permanecer no poder, e até mesmo conquistá-lo. Entretanto, o mestre do lado sombrio não conseguiu prever a traição de Darth Vader, que resultou no fim do Império. Provavelmente Sidious havia tido uma visão em que sairia, de qualquer forma, vencedor no embate entre Luke e Vader no Retorno de Jedi. Mas como Rey notou, visões recebidas são, usualmente, somente algumas de infinitos cenários.
O ensinamento que Rey capta da Força e que efetivamente a faz poupar a vida de Kylo Ren é evidenciado na página 307 da novelização:
Rey havia aprendido que a Força não era um instrumento seu – de fato, era o contrário. Assim como Kylo também era um instrumento da Força, apesar da determinação em dobrar sua vontade. Algum dia ele descobriria isso, ela sentiu – a Força ainda não havia terminado com ele. E isso significava que a decisão de acabar com a vida de Kylo não pertencia a ela, fosse qual fosse o futuro que pensava enxergar para ele. Ela esperaria, e o futuro seguiria conforme a vontade da Força.
Uma visão pode ter muitas interpretações
Se você leu até o final, notou que a pergunta central da publicação acabou trazendo à tona fatos ocorridos em outros materiais de Star Wars. E isso me faz apreciar o trabalho que a Lucasfilm tem de ligar todas as suas histórias, seja nos cinemas, quadrinhos ou livros. Uma questão a princípio simplória e talvez mal resolvida permitiu que Rian Johnson, e maiormente Jason Fry, explorassem as características intrigantes da Força, sem que a decisão de Rey se configurasse como um furo na trama.
Encerro a postagem com a frase de abertura do décimo quarto episódio da quinta temporada de Star Wars: The Clone Wars, a qual acredito ter inspirado as mentes responsáveis por Os Últimos Jedi: