Dois meses atrás, discuti a respeito dos motivos que levaram Rey a poupar Kylo Ren em Os Últimos Jedi. Hoje, trago mais uma polêmica do filme, a qual é utilizada constantemente como argumento dos espectadores que desaprovaram o oitavo capítulo da saga. Afinal de contas, o personagem Luke Skywalker foi deturpado por Rian Johnson? Ou seja, toda a trajetória do Jedi na trilogia clássica foi jogada no lixo, prejudicando o seu legado e desrespeitando os fãs?
Ainda que o longa-metragem já esteja completando um ano de exibição, e o Episódio IX esteja se aproximando, questões como esta continuarão a ser debatidas até o fandom se cansar. O que cá entre nós, não deve acontecer tão cedo. Portanto, traçando algumas comparações com outros filmes Star Wars, e expondo passagens da novelização de Os Últimos Jedi, darei o meu parecer sobre o assunto.
O que tornou Luke Skywalker um herói?
Antes de chegarmos no ponto central da publicação, devemos entender as razões que fizeram Luke ganhar o posto de herói. Isso porque muitos dos que assistiram Os Últimos Jedi acham que Skywalker perdeu sua essência construída nos mais de quarenta anos da franquia.
Em Uma Nova Esperança, o público se depara com um Luke Skywalker jovem, inexperiente, sonhador. O garoto perde os seus tios, e consequentemente a sua família, mas aceita o desafio de resgatar a Princesa Leia e combater o temível Império de Darth Sidious. Além disso, durante esse processo arriscadíssimo, Skywalker começa a ter os seus primeiros contatos com a Força, e faz uma nova amizade, a de Obi-Wan Kenobi. Luke aproxima-se do velho mestre Jedi e mais uma vez sofre uma perda irreparável, ao ver com os seus próprios olhos o assassinato de seu guia. Contudo, Luke Skywalker não desiste. Ele persiste. Junta-se ao alto escalão da Rebelião e destrói a Estrela da Morte.
Já em o Império Contra-Ataca, somos apresentados a trajetória de Luke para adquirir os conhecimentos de um Cavaleiro Jedi. Após receber o chamado de Obi-Wan no planeta Hoth, Skywalker dirige-se à Dagobah para encontrar o lendário mestre Yoda. Sim, Luke deixa os seus amigos rebeldes de lado, mas faz isto pensando no bem deles. Enquanto o fazendeiro de Tatooine permanece no sistema pantanoso, ele se vê duramente testado, precisando convencer Yoda a treiná-lo e também encarando momentos difíceis, a exemplo da visão na caverna de Dagobah. Por mais que Luke tenha com igualdade demonstrado impaciência e incredulidade em seu treinamento, o rapaz outra vez insistiu e melhorou as habilidades Jedi. E ao julgar que era necessário cessar a preparação para salvar Leia e Han Solo, ele não hesitou. Manifestou coragem e companheirismo, e lutou contra Darth Vader mesmo sabendo de sua desvantagem.
Por fim, nos eventos de o Retorno de Jedi, vemos um Luke Skywalker maduro e comprometido a resgatar o seu parceiro Han Solo, bem como interessado em completar o seu treinamento e acabar de uma vez por todas com o Império. Tudo isso depois de descobrir que Vader, o homem mais cruel da galáxia ao lado de Sidious, era o seu pai. Porém, nada foi capaz de abalar Skywalker. Tendo salvo Han e eliminado Jabba, o jovem retornou a Dagobah e presenciou a morte de Yoda. Decidiu ainda que não mataria Darth Vader, mas o traria de volta à luz. Uma escolha inesperada e altruísta do Jedi, que se concretizou ao final da história. Luke manteve os seus valores, a sua fé, e arriscou a própria vida para recuperar Anakin Skywalker.
Analisando os eventos de Os Últimos Jedi
Darth Sidious ruiu, e os anos passaram. A República foi restaurada. Leia e Han Solo tiveram um filho, Ben. Luke Skywalker virou uma lenda e mestre, buscando fundar a nova Ordem Jedi e transmitir o seu conhecimento adquirido. Mas como relatado em o Despertar da Força, algo deu errado. Luke desistiu e se isolou nos confins do universo, abandonando os amigos e a irmã. Atitude impensável tratando-se do filho de Anakin.
Rey, a sucateira de Jakku, despertou. Ajudou a Resistência derrotar a Primeira Ordem na Base Starkiller e foi enviada por Leia para trazer Skywalker de volta. Entretanto, a partir desse estágio, todos são surpreendidos. Luke não quis cooperar.
Sem tirar os olhos do homem pelo qual ela viera de tão longe para ver, Rey jogou seu bastão sobre o ombro, abriu a bolsa e removeu o sabre de luz. Ela o segurou para ele. Uma oferta. Uma súplica. Emoções seguiram umas às outras sobre o rosto do Mestre Jedi. Após vários momentos ele deu um hesitante passo adiante, depois outro. Ele ergue as mãos e tomou o sabre de luz da mão de Rey. Rey recuou um passo, o ar preso na garganta, enquanto Luke observava a antiga arma. Então ele ergueu os olhos para ela. Rey se forçou a manter contato com aquele poderoso olhar e não ceder espaço. E então Luke jogou o sabre de luz na direção do penhasco.
A menina Rey, de certa forma lembrando o Skywalker de épocas passadas, não desistiu da sua missão. Luke recusou o chamado inicial, mas o destino da galáxia dependia dele. Todavia, o mestre continuou a desprezá-la e a seguir o exílio em Ahch-To.
Você acha o quê? Que vou sair por aí com uma espada laser enfrentando toda a Primeira Ordem? Os Jedi, se você os trouxesse de volta, algumas dezenas de Cavaleiros Jedi vestindo túnicas, o que você acha que eles fariam de verdade? […] O que você achou que aconteceria aqui? Você acha que eu não sei que meus amigos estão sofrendo? Ou que vim para o lugar mais escondido da galáxia por nenhuma razão em especial?
Lentamente, os dias transcorreram na distante ilha, e Rey perseverou. Acompanhou a rotina de Luke Skywalker, que com poucas palavras ou apenas a ignorando, tentava fazê-la desistir e lhe deixar em paz. A atenção de Luke só foi direcionada para a garota quando ela moveu-se à antiga biblioteca Jedi, ao ser chamada pela Força. No local, Rey suplicou e disse que precisava de um mestre, de alguém capaz de ensiná-la. O apelo da sucateira, outra vez, falhou. No entanto, Luke deixa claro uma de suas amarguras: os Jedi.
Você quer um professor. Eu não posso ensiná-la. […] Nunca ensinarei outra geração de Jedi. Você perguntou por que eu vim até aqui? Eu vim até aqui para morrer. E para queimar a biblioteca, para que a Ordem Jedi morra comigo. Conheço apenas uma verdade: chegou a hora de tudo isso acabar.
Rodeado de tristeza e descrença, Luke aos poucos começou a ceder, embora que paulatinamente. Ao revisitar a Falcon, Skywalker reencontrou R2-D2, que deu um empurrão de leve para o Jedi sair de sua inércia. O droide exibiu a antiga mensagem de Leia, vista originalmente no Episódio IV, pedindo pelo socorro de Obi-Wan. Esse recado, além de fazer Luke lembrar da sua querida irmã, remete à um dos estímulos que o levaram a se juntar aos rebeldes.
A gravação desapareceu, deixando Luke e R2-D2 sozinhos. O pequeno astromec permaneceu parado enquanto seu antigo mestre encarava o vazio. E continuou em silêncio quando Luke se levantou e seguiu pelo corredor até descer a rampa, seus passos lentos e deliberados.
Comovido com as lembranças de sua juventude, Skywalker decidiu ensinar três lições para Rey. A primeira delas, instruída na parte exterior das cavernas, fez a garota de Jakku compreender o significado da Força. Ademais, Luke também tentou passar o seu curioso ponto de vista, que, o lado luminoso não vai embora junto da morte de um Jedi. Esse pensamento atesta que o mestre de fato perdeu a confiança nos caminhos da Ordem.
A Força não é um poder que você possui. Não tem nada a ver com rochas flutuando. É a energia entre todas as coisas. Uma tensão, um equilíbrio que unifica todo o universo. […] E esta é a lição. Essa Força não pertence aos Jedi. É muito maior. Dizer que, se os Jedi morrerem, a luz morreria é uma presunção. Você consegue sentir isso? Consegue entender?
Porém, o ceticismo de Luke Skywalker perante os Jedi acabou ficando em segundo plano durante a primeira lição. Sim, o homem que salvou Anakin da escuridão rejeitar a própria trajetória é assustador. Mas por qual motivo Luke abandonou os seus ideais? Logo após Rey alcançar a Força, a menina sentiu uma vasta escuridão. A caverna abaixo da ilha, que possivelmente lhe traria respostas da sua origem. Atraída por conta desse desejo, Skywalker espantou-se pela conivência de Rey em se entregar ao poço cercado de trevas. A partir daí, notamos o medo de Luke, que menciona o antigo aprendiz, Ben Solo. Não obstante, Rey percebe que Skywalker se fechou para a Força, conduta da qual já discutimos no Jedicenter. O fracasso com seu sobrinho, aparentemente, perturbou Luke.
Você foi direto para a escuridão. Ela ofereceu algo a você e você nem tentou impedir a si mesma. […] Eu vi esse poder bruto antes apenas uma vez, em Ben Solo. Não me assustou o suficiente então. Assusta agora.
A segunda lição no Templo Jedi comprova que Skywalker carrega consigo o peso de ter falhado com Han, Leia, Ben, mas igualmente com a galáxia. Todos depositavam nele a esperança de reerguer a Ordem Jedi e manter a paz na era pós Império, mas Luke não foi bem sucedido. E isso, de maneira nítida, lhe entristece e o faz criticar o legado dos Jedi, bem como de sua pessoa. Mesmo omitindo os acontecimentos na noite em que Ben Solo assassinou metade de seus padawans, os sentimentos de culpa supracitados não deixam de ser verdadeiros.
Agora que estão extintos, os Jedi foram romantizados, endeusados. Mas, se você tirar o mito e olhar para seus feitos, desde o nascimento dos Sith até a queda da República, o legado dos Jedi é de fracasso. Hipocrisia. Soberba. […] No auge de seu poder, os Jedi permitiram a ascensão de Darth Sidious, a criação do Império e sua própria destruição. […] E eu me tornei uma lenda. Por muitos anos houve equilíbrio. Não tomei nenhum Padawan, e nenhuma escuridão agiu. Mas então vi Ben, meu sobrinho, com aquele poderoso sangue dos Skywalker. Em minha soberba, pensei que poderia treiná-lo, que poderia repassar minhas forças. Que poderia não ser o último Jedi.
Posteriormente, Luke volta a se abrir para a Força. Ele sente a ilha, as suas criaturas, Rey e tudo mais. Nessa ocasião, Skywalker estabelece ainda uma conexão com Leia, que a esta altura recuperava-se na Raddus. A velha mensagem da Princesa havia feito Luke deixar de ignorar Rey, e dessa vez a interação dela com o Jedi resultou em uma mudança de postura. Skywalker nota que o seu exílio na ilha não estava ajudando a galáxia, e que muitas pessoas sofreriam nas mãos da Primeira Ordem. Assim sendo, Luke constatou que precisava ser o mesmo Luke que fora trinta anos antes. O filme deixa essas conclusões implícitas. A novelização clarifica as ponderações de Skywalker ao se conectar com Leia.
Luke havia se fechado por tanto tempo, e agora a Força rugiu ao seu redor. Rey estava certa. Ela precisava dele. Assim como Leia precisava, e a Resistência, e todos aqueles desesperados por alguma esperança. Sua tristeza e sentimento de culpa o deixaram incapaz de enxergar isso, incapaz de enxergar qualquer coisa que não fosse escuridão e desespero. Ao tentar proteger a galáxia de seu fracasso, ele havia erguido defesas contra tudo – incluindo a ideia de esperança. […] Aliviado, Luke apressou os passos, ansioso para compensar tanto tempo perdido.
Entretanto, Luke não partiu junto de Rey na Falcon. Isso visto que o mestre Jedi, em meio a sua pressa para se desculpar, encontrou Kylo Ren e a garota reunidos na cabana. A cena assustou Skywalker, que novamente recuou e optou por continuar em Ahch-To. Apesar disso, Luke enfim contou o que deveras ocorreu no dia de destruição do seu Templo. A descrição da narrativa reforça o que o longa-metragem contou ao público: Skywalker arrependeu-se sem demora de ativar o lightsaber contra Ben. Do mesmo modo como os aprendizes, os mestres fracassam.
O garoto continua imóvel, o rosto calmo. E os olhos de Luke continuam fechados. Mas ele pode ver: fogo, ruína e o olhar vazio dos mortos. E ele pode ouvir gritos, o uivo de sabres de luz e o rugido de explosões. […] Luke retira seu sabre de luz da cintura e aciona a lâmina, os olhos graves. Mas então ele olha para Ben e o breve, quase relutante, pensamento desaparece. Ele nunca poderia descer o sabre de luz sobre o filho de sua irmã enquanto ele dorme.
Se a ligação com Leia não foi o suficiente, o reencontro com Yoda colocou Luke em sua posição original de herói. Sabiamente, o Jedi verde mostra a Skywalker que os mestres não são feitos apenas de êxito e triunfos. Eles falham. E esse conhecimento de fracasso deve ser, com tal característica, repassado adiante. Lamentar e tornar-se um prisioneiro dos desastres e frustrações seria inútil.
Atenção às minhas palavras você não prestou. “Transmita aquilo que você aprendeu.” Sabedoria, sim. Mas tolice também. Força na maestria, hum. Mas fraqueza e fracasso, sim. Fracasso mais do que tudo. O maior professor o fracasso é.
O maior ato de um herói
Luke cometeu erros, sim. Muitos erros. Deixar os pressentimentos controlarem suas ações, e ativar o lightsaber contra Ben. Afastar-se de Leia e Han, quando eles mais precisavam. Mas, Skywalker foi o primeiro mestre ou inclusive personagem em Star Wars a cometer equívocos? Não. Que tal retornamos, brevemente, ao Episódio VI? No planeta de Dagobah, Obi-Wan diz a Luke que Vader precisava ser morto. Caso contrário, o Imperador ganharia a guerra. O jovem Skywalker se recusou, felizmente. Acreditou que havia luz em Anakin, quando o próprio mestre, Kenobi, julgava o oposto.
To be a Jedi, Luke, you must confront and then go beyond the dark side – the side your father couldn’t get past. Impatience is the easiest door – for you, like your father. Only, your father was seduced by what he found on the other side of the door, and you have held firm. You’re no longer so reckless now, Luke. You are strong and patient. And now, you must face Darth Vader again!
A visão errônea de Obi-Wan destrói as suas características como personagem? Não, pelo contrário. Acompanhando os eventos da trilogia prequel, percebemos que Kenobi considerava Anakin um irmão. Cuidou e treinou o rapaz por muitos anos. E viu todo o esforço e dedicação se esvaírem, com o Skywalker caindo para o lado negro e cometendo práticas terríveis. A sua ausência de fé em Vader é justificada. Paralelamente, concluo o mesmo para Luke. Só que na sua situação, ele falhou diretamente. Ativar o lightsaber por prever que Ben poderia se tornar um novo Vader encadeou episódios sangrentos. Padawans mortos, o crescimento de Snoke e de suas forças militares… Tudo isso abalou Luke, que de maneira compreensiva perdeu a fé na religião Jedi. Ao tentar restaurar a Ordem, as escolhas de Skywalker trouxeram o terror para a galáxia e o retorno do lado sombrio. Fugir e se abster são produtos lógicos de alguém que possuía uma responsabilidade gigantesca, e tropeçou no meio deste processo.
E quanto a Darth Vader? Ou melhor dizendo, Anakin Skywalker? Não devemos classificá-lo como herói por ter sido tentado pelo lado negro? Eu concordo que no papel de Sith, Anakin realizou ações desumanas e totalmente condenáveis. Entretanto, sempre analisamos pelo panorama da trilogia clássica, e não cronologicamente. Desde pequeno, sendo um escravo em Tatooine, Skywalker era um menino bom. Tinha intenções puras, e ajudou a República a ganhar inúmeras batalhas. Criou laços de amizade e foi querido por seus companheiros, como Ahsoka, Rex, Obi-Wan, e assim por diante. Sidious desvirtuou sua trajetória, aproveitando-se das emoções do Jedi. Porém, no final, Anakin exerceu o maior ato de um herói: sacrificou a vida por Luke, pelo lado luminoso, por Leia, pela liberdade da galáxia, pelo fim da tirania do Império.
Seguindo os passos do pai, Luke fez o mesmo. Sacrificou a vida para que Leia, Rey, Finn, a Resistência pudessem continuar lutando contra a Primeira Ordem. Para que a esperança permanecesse nos corações dos povos do universo. Para que a Ordem Jedi tivesse um futuro. Causas que sob sua óptica estavam acima do individuo Luke Skywalker. O sacrifício, um verdadeiro ato de herói, remeteu as características que destaquei no início do artigo que tornaram Luke em uma figura admirável nos filmes clássicos.
Luke Skywalker se foi – Rey disse. Eu senti. Mas não havia tristeza ou dor. Havia paz. E propósito.
Sucintamente, Skywalker não foi deturpado. Os acontecimentos entre o Retorno de Jedi e o Despertar da Força mudaram o seu caminho original, conforme sucedido com Anakin, mas de um outro jeito. No desfecho de Os Últimos Jedi, Luke voltou a ser o herói.