OPINIÃO | “Eu acho que Ataque dos Clones é o melhor filme das Prequels”

Toda vez que enuncio a frase que encabeça o título deste artigo para algum grupo de fãs, as pessoas me olham como se eu… bem… como seu falasse que acho Ataque dos Clones o melhor filme das Prequels.

Já adianto: não estou aqui para tentar convencer ninguém. O texto não é argumento pra vencer nenhum debate, entretanto, ficarei feliz se ao final você passar a ver o filme de outra maneira.

Um dos sinais mais claros de que George Lucas realmente se importava com seus filmes é o tempo que levou para fazê-los. Lucas demorou três anos entre A Ameaça Fantasma (1999) e Ataque dos Clones (2002) e depois outros três entre este e A Vingança dos Sith (2005). O que quer que você pense sobre os filmes, é inegável que Lucas se importava com cada um individualmente. Como resultado, ao contrário, digamos, de O Senhor dos Anéis (maravilhoso) que foi filmado de uma só vez, cada prequel de Star Wars parece única: possuindo não apenas um enredo diferente com novos planetas e personagens que visivelmente envelheceram e mudaram, mas sempre com um estilo visual e cinematográfico completamente diferente. Acho que isso é mais notável com Ataque dos Clones.

George ama Star Wars, mas antes de tudo George ama cinema. E ele usa e abusa deste filme para prestar suas homenagens.

Ataque dos Clones é um filme que, no arco de Obi-Wan nos brinda com diversos elementos de thriller policiais no melhor estilo Dick Tracy e quando pulamos para Anakin e Padmé temos uma homenagem ao romance épico de eras mais douradas do cinema, refletindo desde a excelente trilha de John Williams até chegar nos diálogos cafonas.

(uma leve notinha a parte aqui: homenagens essas que também estavam presentes no injustiçado Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, especialmente na tão criticada personagem de Cate Blanchett que emulava os estilos de atuação de figuras dos anos 30 como Marlene Dietrich).

Eu fico surpreso toda vez com o quanto gosto de assistir novamente este filme e alguém poderia até argumentar que foi justamente porque havia acabado de reassistir A Ascensão Skywalker. De certo ponto, até que é verdade. J.J. parece acreditar que inundar a tela com luzes piscando e ruídos altos pode compensar quaisquer deficiências emocionais em uma narrativa. Lucas, ao contrário, nos dá uma história real, com tensão real e cenas de ação que parecem merecidas, e não que estão lá apenas porque sim.

Ele entende os miniarcos necessários para tornar tais cenários emocionantes, as cenas de ação não são apenas cores e movimentos brilhantes, mas enredos controlados, cada um com um começo, meio e fim, com contratempos para nossos personagens, obstáculos que eles devem superar, e, finalmente, um arco emocional que o público percorreu em conjunto.

Vamos dar uma voltinha pelo filme.


As cenas iniciais são umas de minhas favoritas. Logo após o texto de abertura desaparecer e a câmera nos direcionar para cima (o único filme a quebrar a tradição da descida), somos levados para Coruscant com uma trilha em tons extremamente baixos e os maravilhosos efeitos sonoros de Ben Burtt compondo as naves cromadas de Naboo.  Mais uma vez, fiquei aliviado com a lentidão da sequência, o ritmo controlado. J.J. Abrams teria nos levado às pressas para o planeta, feito a nave disparar e depois editado para um monte de close-ups rápidos. Mas Lucas garante que a câmera perdure, criando tensão, criando mistério e permitindo que nos deleitemos com a beleza do voo espacial. EU JURO QUE VOU PARAR COM AS COMPARAÇÕES.

Dalí pra frente o filme nos leva para um thriller urbano nos arranha céus de Coruscant, culminando em uma excelente perseguição por diversos distritos do planeta e o confronto final com Zam no bar noturno. É George Lucas fazendo um thriller quase que noir e, mesmo que nem sempre funcione, o elemento-chave é que Lucas está homenageando suas influências. Star Wars é tanto um pastiche quanto uma ópera espacial.

*Pastiche é definido como uma obra em que se imita abertamente o estilo de outra no intuito de homenagea-la.

Hayden Christensen é surpreendentemente aceitável como Anakin. Sim, algumas de suas falas são muito estranhas, mas vamos lembrar, ele está interpretando um adolescente angustiado e confiante. Faz sentido que ele soe e aja dessa maneira. Pode não ser o melhor momento do ex-ator, mas se quer ver todo seu potencial sugiro filmes como O Preço de uma Verdade (Shattered Glass) e Tempo de Recomeçar (Life as a House).

Meu arco favorito é o de Obi-Wan Kenobi e suas investigações policiais que o levam a um restaurante onde você espera que algum Marty McFly espacial surja e cace briga com um valentão até a estupenda biblioteca de arquivos Jedi. E alí temos uma das minhas imagens favoritas do filme: Obi-Wan recostado e olhando para o computador que não tem as informações que está procurando. É outra das sutis dicas visuais de Lucas, afinal estamos assistindo a uma história sobre o colapso da República e aqui, nos arquivos, o repositório de todo o conhecimento, os Jedi aparecem como arrogantes e oniscientes, sem acreditar na existência de qualquer verdade da qual eles não conheçam.

Isso ressalta um dos temas centrais do filme de que os Jedi são uma instituição falida. E isso casa perfeitamente com outro filme da franquia feito anos depois: Os Últimos Jedi. Me surpreendeu a quantidade de pessoas que, assim como Rey, acharam ultrajante o fato de Luke considerar os Jedi uma religião de dogmas conservadores e falhos. Estava tudo lá, anos atrás em Ataque dos Clones.

Visualmente, Kamino é um deleite. Um planeta extremamente único em uma Saga que peca um pouco na concepção de planetas. Tatooine se parece com Jedha que se parece com Jakku que se parece com Pasaana. Yavin 4 se parece com Endor que se parece com Kashyyyk que se parece com Ajan Kloss. Kamino nos traz aquele pequeno sopro de ficção científica e futurismo para apresentar o conceito tecnológico chave do filme: os Clones.

Naboo, entretanto, para onde vão Anakin e Padme, é mostrado com exuberância e admiração, um local recluso e de paz para o casal. Aqui temos um dos diálogos mais interessantes e atuais. Anakin e Padmé conversam sobre a República e a democracia. Talvez em 2002 tudo parecia teórico, apenas uma vaga alusão ao colapso do Império Romano (declaração do próprio Lucas). Mas agora vejo tais falas profundamente relevantes.

O casal viaja para Tatooine em busca da mãe de Anakin. As peças começam a se encaixar com a trilogia Clássica. Conhecemos a família Lars, revemos C-3PO e Anakin da o seu maior passo até então rumo ao Lado Sombrio. Aqui a veia artística da LucasFilm estava completamente inspirada! Depois de Os Últimos Jedi, arrisco que Ataque dos Clones seja o filme com a maior quantidade de tomadas bonitas da Sagar. Fique com algumas antes de entrarmos no arco final.


O terceiro arco começa com uma das cenas mais inusitadas: o conflito dentro da fábrica de dróides. Não é uma cena maluca com ruído e luz intermitente, mas uma cena controlada com um enredo próprio: ação crescente, tensão e um clímax com R2 salvando o dia, provando que mesmo em um filme muito diferente do que vimos até então, ele ainda tem o espírito daqueles antigos seriados de aventura. É uma reminiscência de algo como Uma Nova Esperança: Luke e Leia balançando pelos corredores da Estrela da Morte e, no geral, um lembrete do que Star Wars é por trás de suas tragédias gregas: um filme de aventura.

Falando em diferenças e familiaridades, nos encontramos aqui com outra peculiaridade: a arena de execução.  O que eu adoro especialmente é como cada monstro tem como alvo um de nossos três heróis e como cada um corresponde perfeitamente com seu personagem: Obi Wan luta contra o Acklay, inteligente, rápido, reativo. Anakin enfrenta um Reek, impetuoso, agressivo e arrogante. Padme é alvo do Nexu, pequeno, mas feroz e insesperado.

E aí é a hora que os Jedi chegam e a verdadeira batalha começa com outro momento inusitado: a morte de Jango Fett. Mace Windu dispacha o caçador de recompensas com apenas dois golpes destruindo um de seus blasters (e não a mão, como muitos pensam) e sua cabeça. É um momento severo e repentino, e nos lembra que os Jedi não são necessariamente os mocinhos. O filme culmina com os clones chegando e salvando o dia, mas na verdade acabamos nos sentindo mais inquietos, pois sabemos que esses “mocinhos” vão se tornar os “bandidos” dos filmes posteriores. Essa ambigüidade moral é reforçada pela cena final da primeira metade desta longa sequência final: o jovem Boba Fett segurando a cabeça de seu pai nas mãos contra o pano de fundo dos mortos.

Vamos separar um parágrafo aqui, aliás, para falar de Christopher Lee interpretando magistralmente o Conde Dookan. Mestre de Qui-Gon Jinn, este interessante personagem abandonou a Ordem Jedi após reconhecer seus dogmas falhos já citados anteriormente. Infelizmente o filme não dedica muito tempo para se aprofundar no personagem, mas monta conceitos interessantes que vieram a ser explorados no Universo Expandido. Seu embate com Yoda até hoje enchem os jovens de empolgação e seu embate nada mais é do que uma homenagem ao duelo de magos, do filme O Corvo de 1963. (obrigado, Vébis, por mais uma referência).

Depois que a batalha termina, somos apresentados ao epílogo: céus vermelhos enquanto os exércitos de clones se reúnem, céus vermelhos sobre Coruscant, que no início do filme era de um azul celeste. “Veja o quão longe chegamos em 2 horas e 20 minutos”, o filme parece dizer, do céu azul ao vermelho, de uma República a um Chanceler com poderes emergenciais.

A cena final, no entanto, é focada em Anakin e Padmé se casando sob a trilha de John Williams. Embora um momento de paz, o casamento carrega um agouro tão pesado quanto os exércitos de clones se reunindo sob o céu vermelho. “O manto do Lado Sombrio caiu.”


É muito fácil colocar A Vingança dos Sith em um patamar. Ele é o clímax de nossas expectativas, os atores entregam suas melhores performaces, mas uma vez meu amigo Vébis Jr. da nossa irmã Sociedade Jedi e do excelente Vozes da Força comentou que um filme não é apenas aquilo que está projetado na tela, mas toda a experiência que gira em torno dele. E ele tá certo.

A primeira vez que coloquei os olhos no que viria a ser Ataque dos Clones foi durante uma sessão de Vanilla Sky. Fui acompanhar minha mãe que estava ansiosa pelo filme e eu, determinado a tirar alguns cochilos durante a projeção. Quando as luzes se apagaram, o logo da LucasFilm apareceu e tirou qualquer sinal de sono que havia em mim. “Eu estou prestes a ver o trailer do próximo Star Wars! Nem sabia que estava tão perto!” Pare de ler um momento e assista ao trailer:

 

Quando o trailer acabou, minha mãe precisou me dar um puxão pois eu estava de pé aos pulos. Foi uma sensação incrível e até hoje é assim. O trailer é muito bem construído, passa por alguns pontos da história ao som do apaixonante tema da Princesa Léia, culminando na obra prima que é Duel of the Fates.

Quando enfim estreou, todos os momentos que percorremos neste texto esbugalharam os olhos do jovem Marcelo no longínquo 1 de Julho de 2002. Enquanto alguns certamente pensavam que essas cenas destoavam do que era Star Wars, eu estava deslumbrado. Até hoje sou e sempre serei a favor de que a Saga ouse sair de sua caixinha de nostalgia, tentar novos rumos e se arriscar (oi Rian Johnson, seu lindo).

Sim, eu era muito jovem, estava com meus 11 anos e embora tenha visto A Ameaça Fantasma nos cinemas, com 8, foi em Ataque dos Clones que comecei a digerir e entender a trama. Tudo estava começando a se encaixar com aquele Star Wars que eu quase que literalmente enroscava as fitas no videocassete: os primeiros acordes do Império, os passos de Anakin em direção as trevas, a família de Luke, um zilhão de Jedi lutando, Jango e Boba Fett…

Meu pai apresentou Star Wars para mim por meio do jogo Shadows of the Empire. Boba Fett se tornou uma lenda para nós, não por sua fama criada em versos de embalagens de bonecos ou livros, mas pelo simples fato que apanhávamos demais na fase em que ele era o chefe. Vê-los no filme foi um deleite para nós dois que brincávamos usando mochilas nas costas como se fossem jetpacks.

E OS CLONES, pelo amor de Deus! Eu fiquei fissurado com a tão esperada e debatida Guerra Clônica. Como tinha um hiato de três anos de espera até o próximo filme, eu e meu amigo Leonardo matávamos as aulas de educação física para ficarmos elaborando quadrinhos de batalhas que aconteceriam entre os filmes, dois verdadeiros “proto-Dave Filoni”.

Naquele mesmo ano, descobri a internet e mergulhei no mundo do Universo Expandido, percebi que a Saga vai além do que os filmes: quadrinhos, jogos, romances, um universo de possibilidades! Com isso cheguei aos fóruns de debate, ao Jedicenter e daqui nunca mais saí.

Não bastasse tudo isso, ele foi o primeiro DVD de minha vasta coleção. Passei horas vendo e revendo o disco bônus recheado de extras fantásticos. Inclusive, toda a trilogia Prequel nos presenteou com excelentes DVDs na época de seu lançamento. Se você tem a chance de adquiri-los, citando Palpatine: DO IT!

 O carinho é grande porque foi Ataque dos Clones que colocou minha mente nas estrelas, na noção de que há muito mais do que apenas aquele deleite visual e estético. Que há temas mais profundos e maduros intrincados em seu espírito aventuresco. O filme tem um final honesto, carregado, mas que funciona porque Lucas está retratando o colapso de uma ordem mundial, o fim da democracia. E este tipo de tema não exige sutileza.

E não há diálogo cafona que possa retirar toda essa experiência de um fã.

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